Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo, nasceu no Crato/CE, em 1878. Ficou cego aos dezoito anos e, a partir dessa época, começou a viver da cantoria (Mota, 2002, p. 67; Cascudo, 2005, p. 353). Detentor de um vasto repertório de quadrinhas líricas, sextilhas e modinhas brasileiras, ficou amplamente conhecido, dentro e fora do universo da cantoria, pelo desafio travado com José Pretinho do Tucum, em sextilhas e décimas (Cascudo, 2005, p. 353). Cascudo (2005, p. 353-354) expõe o episódio como verídico, enquanto que Cláudio Portella afirma que o texto é de autoria do amigo de Aderaldo, Firmino Teixeira do Amaral, tendo sido publicado em 1914, ou 1916 (Portella, 2010, p. 25).

Nas imagens em que Aderaldo aparece no "Cantadores", de Leonardo Mota (1921), assim como na peleja com Zé Pretinho, a rabeca encontra-se associada à figura desse cego cantador. No entanto, esse instrumento não parece ter sido muito empregado por ele, ao menos, não da maneira indissociável que ele se encontra relacionado aos outros artistas abordados em nosso estudo. Em quase todas as imagens em que Cego Aderaldo aparece com
algum instrumento no livro de Cláudio Portella, ele está segurando o violão; a exceção é uma em que o cantador empunha uma espécie de banjo de seis cordas (Portella, 2010, p. 190). Há, inclusive, uma do seu velório, onde esse instrumento repousa sobre o seu corpo, no interior do caixão (Portella, 2010, p. 122).

Aparentemente, não existem muitos registros de Aderaldo “em ação”. Dulce M. Lamas (1973, p. 250-263) traz algumas transcrições em partituras de registros realizados quando da passagem de cego cantador pelo Rio de Janeiro, na Rádio MEC, em 1949. São exemplos de gêneros de desafio da cantoria, apresentados com o parceiro e violeiro Domingos Fonseca: martelo agalopado, mourão, desafio em quadrão e desafio em sextilhas. Eles encontram-se reproduzidos também em Portella (2010, p. 166-169). O filho, Mário Aderaldo, acompanha os cantadores tocando a rabeca.

Reproduzimos a poesia "As três lágrimas", que Aderaldo diz ter criado em homenagem à mãe:

Eu ainda era pequeno
Mas me lembro bem
De ver minha pobre mãe
Em negra viuvez
Meu pai jazia morto
Estendido em um caixão
E eu chorei então
Pela primeira vez!

E a pobre minha mãe
Daquilo estremeceu
De uma moléstia forte
A minha mãe morreu
Fiquei coberto de luto
E tudo se desfez
E eu chorei então
Pela segunda vez.

Então, o Deus da Glória
O mais sublime artista
Decretou lá do Céu
Perdi a minha vista.
Fiquei na escuridão
Ceguei com rapidez
E eu chorei então
Pela terceira vez.

Meus prantos se enxugaram
Das lágrimas que corriam
Chegou-me a poesia
E eu me consolei
Sem pai, sem mãe, sem vista
Meus olhos se apagaram
Tristonhos se fecharam
E eu nunca mais chorei.
O poema é recitado no vídeo a seguir, com a voz escutada sendo atribuída ao Cego:
Aderaldo é bastante afamado, conhecido como um dos maiores cantadores da história. Sua figura foi homenageada por músicos importantes como Luiz Gonzaga, Baden Powell (primeira faixa do Lado B) e Egberto Gismonti: